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A importância da preservação das garantias constitucionais, do ponto de vista do direito penal, na imposição de sanções aos cidadãos que, eventualmente, infrinjam medidas sanitárias determinadas no combate à pandemia da COVID - 19

22/04/2021

Ao abrirmos o jornal, ligarmos a televisão ou mesmo conversamos com nossos familiares, percebemos que, mais do que nunca, a pandemia ocasionada pela propagação do vírus Covid – 19 continua agressiva e, de certa forma, sem controle, gerando reflexos lastimáveis a todos os setores da sociedade, o que tem preocupado a maioria das Autoridades, as quais, muitas vezes de forma impulsiva e ineficaz, têm implantado as mais variadas medidas na tentativa de diminuir o triste e assustador número de vítimas, bem como minimizar os danos econômicos e sociais que apenas se agravam.

Sem adentrar aos aspectos políticos que influenciam, comumente, a determinação de medidas sanitárias pelos órgãos competentes, não tem sido incomum alguns Estados e Municípios, por meio de seus gestores, informarem que, caso necessário, serão adotadas sanções mais rígidas às pessoas que descumprirem as medidas de isolamento social, enfatizando, inclusive, que poderá ser determinada a prisão destes “trangressores”.

Temos inclusive sido reiteradamente procurados para tecermos comentários e orientações sobre as informações publicadas nos veículos de comunicação, os quais têm divulgado declarações de Governadores e Prefeitos no sentido de, se necessário, ser determinada a prisão de cidadãos que descumpram medidas sanitárias impostas no combate à pandemia.

A fim de esclarecer alguns pontos sobre o tema, abordaremos importantes aspectos legais que evidenciam que o tema “prisão” deve ser tratado com a máxima cautela. 

Cumpre relembrar que o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 268, prevê sanção de um mês a um ano de detenção para o indivíduo que infringe determinação do Poder Público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa.

Ou seja, caso a Autoridade Policial tome conhecimento de fato que se enquadre no referido tipo penal, será determinada a lavratura de Termo Circunstanciado, cabendo ressalvar que, em regra, não poderá haver prisão em flagrante delito, pois o delito em comento, quando o autor do fato se compromete a comparecer em Juízo, possui natureza jurídica de crime de menor potencial ofensivo. Tal previsão está contida no artigo 69 combinado com o artigo 61 da Lei Federal nº 9.099/95 e evidencia que o Legislador, claramente, optou por não estabelecer, como regra, a prisão para estes casos.

Então, observa-se que a responsabilização penal do indivíduo, por infração ao artigo 268 do Código Penal, só é possível em razão deste tipo penal estar amparado pelos princípios da legalidade (artigo 5º, inciso II da CF) e reserva legal (artigo 5 º inciso xxxix daCF), uma vez que o delito e sua respectiva sanção foram previstas previamente (reserva legal) em lei (legalidade) ou seja, por meio de ato do Poder Legislativo (Congresso Nacional), nos termos das regras estipuladas para a elaboração e aprovação das leis.

Portanto, por força do mencionado princípio da reserva legal, previsto também no artigo 1º do Código Penal Brasileiro, não pode o cidadão ser acusado de determinado crime, sofrendo a respectiva sanção, sem lei anterior que o defina (princípio da legalidade).  

Consequentemente, verifica-se que, por vedação constitucional, ao contrário do que tem sido divulgado pela mídia, os Governadores e Prefeitos, por meio de normas infralegais, como por exemplo portarias, decretos e resoluções administrativas, não podem definir “novos” crimes ou determinar que cidadãos sejam presos caso descumpram qualquer medida sanitária imposta por meio de decreto ou outra norma infra legal.

A prisão é exceção em nosso ordenamento jurídico e só deve ser considerada, observados os parâmetros constitucionais mencionados acima, quando as demais esferas de controle falham (princípio da intervenção mínima do Direito Penal).

Além do mais, é importante enfatizar que, em que pese o Supremo Tribunal Federal, recentemente, ter reconhecido a competência concorrente de Estados, Distrito Federal, Municípios e União no combate à Covid-19, é privativa da União a competência para legislar sobre Direito Penal e Processual Penal, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Deste modo, em que pese ser de suma importância seguirmos as orientações ciêntíficas para conter a pandemia, dentre elas o isolamento social, não podemos, de forma alguma, deixar mitigarem direitos e garantias constitucionais, uma vez que, permitindo que haja tal exceção, poderá ser aberto um perigoso precedente que certamente ocasionará um retrocesso no Estado de Direito, bem como no avanço de nossa legislação para proteção da cidadania e controle social.

Guilherme Sampaio

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