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INDICIAMENTO NOS CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO E O CARÁTER CONSENSUAL DA LEI FEDERAL N º 9.099/95

29/08/2018

1-    INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objeto analisar uma realidade que pode alcançar qualquer cidadão que, muitas vezes, por conta da complexidade de suas atividades laborais ou mesmo por incidentes fortuitos relacionados a sua vida pessoal, acaba infringindo a legislação penal, podendo, por esta razão, ser submetido ao Instituto denominado: INDICIAMENTO. O indiciamento é um ato privativo da Autoridade Policial e que, portanto, ocorre na fase de inquérito policial.

Uma vez apresentadas as peculiaridades do indiciamento, abordaremos as suas consequências na ocorrência dos crimes considerados de menor potencial ofensivo.


2-    O QUE VEM A SER O INDICIAMENTO?

Cumpre esclarecer, desde já, que o indiciamento se dá de forma fundamentada, quando o Delegado de Polícia, após a colheita do conteúdo investigatório e mediante análise técnico-jurídica dos fatos, entende haver indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, ou seja, concluindo que, na sua percepção, de fato o crime ocorreu e que as investigações revelam o seu provável autor, que será então indiciado.

O indiciamento deve ocorrer apenas quando há existência, devidamente comprovada nos autos, de um conjunto probatório capaz de efetivamente relacionar a conduta ilícita com o investigado. Caso não ocorra a observância de tais requisitos legais, o procedimento previsto em lei estabelece que o Delegado deve encerrar o inquérito policial, submetendo-o ao Ministério Público que deverá deliberar pela existência ou não do ilícito penal, independentemente de ter sido formalizado ou não o indiciamento.

Pois então qual seria o efeito do ato de indiciamento?

O indiciamento possui natureza de ato administrativo e possui como principal efeito o “registro” no prontuário de identificação civil perante os órgãos públicos vinculados à Secretaria de Segurança Pública, passando a constar que, para a Autoridade Policial, tal pessoa foi indiciada pela Autoridade Policial como provável responsável pela prática determinado ilícito penal.

Não se trata de um decreto condenatório, mas do entendimento firmado pela Autoridade Policial, que pode ter o condão de persuadir o Ministério Público e o Juiz de Direito, este último sim com competência para proferir sentença condenatória ou absolutória.

Se indevido o indiciamento, tal ato passa a configurar constrangimento ilegal passível de impugnação na esfera do Poder Judiciário.

Um dos indesejáveis dissabores do indiciamento reside no fato de que tal apontamento, não raro, continuar constando no prontuário do indivíduo mesmo após o encerramento do procedimento criminal e mesmo depois de ter sido inocentado, ou por qualquer outra razão não ter sido submetido à sentença condenatória.


3-    CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Em 26/09/1995 foi instituída a Lei Federal nº 9.099, por meio da qual passou a considerar como infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com a pena de multa, conforme disposto no artigo 61:

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Citamos, como exemplo, a previsão contida no artigo 46 da Lei Federal nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais):

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Assim, considerando que a pena máxima é de um ano, ou seja, não ultrapassando a dois, tal infração penal é considerada como sendo de menor potencial ofensivo.

O objetivo com a referida legislação foi buscar dar maior objetividade e agilidade na tramitação dos processos nos quais se apura a prática de infrações penais cuja pena não seja superior a dois anos.

Por meio da referida lei, foram instituídos benefícios os quais, conforme for a natureza da infração, é possível a composição civil dos danos diretamente com a vítima ou a formalização de transação penal entre o investigado e o Ministério Público, institutos que, uma vez formalizados e cumpridos, encerram o processo, de modo que o investigado não será submetido ao ônus de uma condenação criminal.


4-    O CARÁTER CONSENSUAL DA LEI DE CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (9.099/95) PODE IMPEDIR O ATO DE INDICIAMENTO?

Logo, ao analisar a incidência do indiciamento nos crimes de menor potencial ofensivo, vislumbra-se patente antagonismo, pois a Lei Federal nº 9.099/95, justamente por tratar de crimes com baixa ofensividade, prevê uma série de medidas impeditivas de penalização.  

Ocorre que, como já se disse, após a prática de uma infração penal, no decorrer das investigações de determinado inquérito policial, muitas vezes o indivíduo acaba por ser indiciado pelo Delegado de Polícia, mesmo em se tratando de apuração de crimes considerados pela lei como sendo de menor potencial ofensivo.

E, no entanto, o ato de indiciamento é considerado instituto jurídico nada consensual, uma vez que tal ato administrativo, como já informado, fica “registrado” perante os órgãos públicos vinculados à Secretaria de Segurança Pública quase que eternamente, possuindo, por este motivo, grave consequência para aquele que, muitas vezes por um descuido, acabou por se ver envolvido na prática de um crime de menor potencial ofensivo.

Assim, pode ser que uma pessoa seja indiciada pela prática de um crime de menor potencial ofensivo e, antes do início de uma ação penal na esfera do Poder Judiciário, componha-se com a vítima ou aceite proposta formulada pelo Ministério Público para a realização da transação penal, previsto no artigo 76 da Lei Federal nº 9099/95.

Tanto com o cumprimento da composição civil com a vítima quanto com o atendimento à transação penal, o Juiz de Direito deverá extinguir a punibilidade do investigado, encerrando-se de vez o assunto e sem o risco de ser submetido ao crivo de uma sentença penal que, de acordo com entendimento do julgador, pode ser absolutória ou condenatória, no caso desta última, gerando, principalmente, o registro de antecedentes criminais, efeitos civis e de reincidência, além da perda da primariedade.


Considerando que os institutos despenalizadores da Lei Federal nº 9.099/95 têm como intuito dar tratamento mais ameno ao suposto praticante de crime de menor potencial ofensivo, assegurando-lhe a inexistência de registro de antecedente criminal, efeitos civis e reincidência, ressaltando-se que como não há condenação com transito em julgado deve pairar a presunção da inocência do acusado, se faz absolutamente incoerente defender o indiciamento para tal espécie de delito, vez que este causaria maior prejuízo ao réu se comparado ao desfecho da ação penal, que, em verdade, nem se iniciará.

Nesse Sentido, a 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu acordão (TJSP, 2011)*  concedendo a ordem para obstar de imediato a ordem de indiciamento de um indivíduo que respondia pelo crime de desobediência, (artigo 330 do Código Penal Brasileiro) classificado como infração de menor potencial ofensivo, por ser o ato incompatível com a natureza consensual trazia pela Lei Federal nº 9099/95.  

Corroborando com o raciocínio supra, no sentido da incompatibilidade entre ato de indiciamento e as infrações de menor potencial ofensivo, a 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em recente julgado (TRF3 2017)**  determinou o desindiciamento do indivíduo que aceitou e cumpriu medida despenalizadora constante da Lei Federal nº 9099/95 (sursis processual – artigo 89) tendo sua punibilidade extinta e afastadas as consequências do indiciamento.


5-    CONCLUSÃO

Posto isso, ao considerarmos que o indiciamento em infrações de menor potencial ofensivo tem consequência mais gravosa que o próprio procedimento criminal irá trazer para o acusado, em razão das medidas despenalizadoras previstas na Lei Federal nº 9099/95, conforme mencionado no presente artigo, comungamos do mesmo entendimento dos Tribunais, a respeito de ser descabida a incidência do indiciamento nas infrações de menor potencial ofensivo.


Guilherme Sampaio / Wagner Carvalho de Lacerda

 

*(TJ-SP - HC:2478257320118260000 SP 0247825-73.2011.8.26.0000, Relator: Almeida Toledo, Data de Julgamento: 29/11/2011, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 29/11/2011 - https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20868105/habeas-corpus-hc-2478257320118260000-sp-0247825-7320118260000-tjsp).


**TRF-3 - REENEC: 00096633420164036000 MS, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, Data de Julgamento: 31/01/2017, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/02/2017 - https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/426688026/remessa-necessaria-criminal-reenec-96633420164036000-ms?ref=topic_feed.

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