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Informativo Faria e Faria Advogados Associados - Aspectos Penais - Covid-19

01/04/2020

Infelizmente, em função do COVID-19, enfrentamos hoje uma Pandemia jamais presenciada no último século, com tamanha envergadura e de célere contágio.

E não há dúvida que se faz necessário seguir as orientações dos profissionais da área e estar em sintonia com a Organização Mundial da Saúde, visando proteger a vida humana, nosso bem maior,

Cabe ao Estado criar instrumentos para que a saúde de todos seja preservada, punindo aqueles que de algum modo contribuem, na mão oposta de direção, para prejudicar a saúde individual ou coletiva.

No cenário do Coronavírus, identificado inicialmente como uma epidemia iniciada na China, e atualmente classificado como Pandemia pela OMS, por ter atingido praticamente todos os países do mundo, o Código Penal já previa alguns tipos penais que podem, eventualmente, ser aplicados na atual situação: epidemia (art. 267), infração de medida sanitária preventiva (art. 268), lesão corporal (art. 129) e desobediência (art. 330).

E Você pode se perguntar: Mas como haver reflexos na área penal em uma matéria como esta? A título de conhecimento e melhor compreensão, vejamos adiante alguns aspectos sobre a possibilidade de incidência dos referidos tipos penais no atual cenário:


EPIDEMIA – ARTIGO 267 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
 
Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos, tem como pena em abstrato reclusão de 10 a 15 anos.

Havendo morte, essa pena é duplicada e se torna delito hediondo (art. 1º, VII, da Lei nº 8.072/90).

O crime é doloso, porém o código estabelece também a forma culposa, cuja pena é de detenção de 1 a 2 anos.

No caso da epidemia culposa, se houver morte, a pena passa a ser de detenção de 2 a 4 anos.

No caso da COVID-19, em regra, para que seja imputado a um indivíduo o crime de epidemia, é preciso que, sabendo que está infectado, frequente determinado local sem qualquer contaminação iniciada, e, com essa conduta, dissemine o vírus de modo doloso (intencional) ou culposo (havendo negligência, imprudência ou imperícia).

Assim, um indivíduo sabedor da existência do CORONAVÍRUS e de seus efeitos, que esteja gripado, com sintomas semelhantes aos apresentados por quem está infectado pelo referido vírus (tosse constante, febre, falta de ar, dentre outros), mesmo antes da confirmação de estar ou não acometido da COVID-19, e que de maneira imprudente ou negligente, mantém contato com terceiros em lugar no qual ainda não há o início do contágio, poderá, a depender do contexto, ser responsabilizado de forma culposa pelo referido ilícito penal, se no futuro for confirmado que de fato tal agente testou positivo para a COVID-19.

Neste caso, e como de acordo com os profissionais da área da saúde, em razão da Pandemia, a probabilidade de uma pessoa estar com a COVID-19 é maior quando apresenta os sintomas acima mencionados, tal indivíduo claramente não deveria se expor em lugares públicos, de modo que poderá, de fato, vir a ser responsabilizado penalmente por propagar epidemia, ainda que por imprudência.

Por outro lado, se o indivíduo conhece a sintomatologia do novo vírus e, mesmo apresentando os sintomas da doença, o agente assume o risco de transmiti-la a terceiros, em lugar aonde o CORONAVÍRUS não chegou, causa a epidemia por dolo (ou dolo de forma eventual), e poderá responder, portanto, pela prática do crime de Epidemia na forma dolosa, como incurso no art. 267, caput, do Código Penal.

Conforme se verifica, se faz necessário que o agente infectado frequente lugar onde o CORONAVIRUS ainda não tenha chegado, não havendo que se falar na incidência do artigo 267 do Código Penal Brasileiro, portanto, se já houver epidemia no local, pois para a caracterização de tal delito existe a necessidade de propagação da epidemia.

INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA - ARTIGO 268 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Infringir determinação do Poder Público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa tem como pena, em abstrato, detenção de 1 mês a 1 ano, e multa.

Aumenta-se a pena em 1/3 se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Para a configuração do crime previsto no art. 268 do Código Penal é preciso que a conduta tenha sido com dolo (intenção), pois, no referido tipo penal, não é prevista a forma culposa (agir por negligência, imprudência ou imperícia).

É possível se depreender da análise do referido delito que a intenção do agente não é causar epidemia, nem tampouco contaminar alguém, mas simplesmente não respeitar a ordem do Poder Público para se isolar ou ficar em quarentena.

Importante destacar que a infração de medida sanitária preventiva é uma infração de menor potencial ofensivo, comportando transação penal (artigo 76 da Lei 9099/95), sendo certo que, em razão disso, não há que se falar em prisão em flagrante do agente, mas a lavratura de termo circunstanciado.

Referida infração é classificada como norma penal em branco, isto é, dependendo, para a sua consumação, da existência e do descumprimento de determinação do Poder Público de medidas para fins de evitar introdução e propagação de doença contagiosa.  

Neste sentido, no que se refere ao CORONAVIRUS, já foi editada a Lei Federal nº 13.979/2020, prevendo a viabilidade de se decretar o isolamento, a quarentena e outras medidas restritivas da liberdade individual e empresarial.

O Ministro da Saúde, por sua vez, editou a Portaria nº 356/2020. Além disso, editou-se também a Portaria Interministerial (Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Saúde) nº 5/2020, a qual prevê expressamente que, no exercício do poder de polícia administrativa, a Autoridade Policial poderá encaminhar o infrator, insurgente contra a quarentena que for determinada, à sua residência ou estabelecimento hospitalar

Quanto às medidas restritivas, previstas no art. 3º da Lei 13.979/2020, deve-se apontar a seguinte divisão:

a) isolamento; quarentena; exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação da ANVISA, por rodovias, portos ou aeroportos; autorização excepcional e temporária para importar produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro da ANVISA, caso estejam registrados por autoridade sanitária estrangeira ou previstos em ato do Ministro da Saúde; e

b) determinação de realização compulsória de: exames médicos, testes de laboratório, coleta de amostras clínicas, vacinação, tratamentos médicos específico; estudo epidemiológico; requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, sujeitos a indenização posterior. O primeiro grupo depende de determinação do Ministro da Saúde ou gestores locais de saúde, autorizados pelo Ministério da Saúde; o segundo grupo será determinado pelos gestores locais de saúde, sem autorização prévia do Ministério da Saúde.

Na Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde consta que a medida de isolamento poderá ser determinada pelo médico ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 dias, podendo haver extensão por até igual período, conforme exame de laboratório que atestar o risco de transmissão.

A medida de isolamento será efetuada, de preferência, em domicílio, também podendo ser feita em hospitais públicos ou privados (exemplo: isolamento de pessoas sem-teto e de moradores de rua).

Já a medida de quarentena será determinada mediante ato administrativo formal e fundamentado, editado por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou por Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação.

Para ilustrar, segue quadro explicativo quanto às medidas sanitárias que podem eventualmente ser decretadas e as consequentes repercussões quanto à aplicação do artigo 268 do Código Penal Brasileiro, vejamos:


MEDIDA SANITÁRIA
REQUISITOS
CONDUTA PENALMENTE RELEVANTE (ART. 268 CP)
Isolamento: separação de pessoas contaminadas
– Prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, com prazo máximo de 14 dias prorrogáveis por igual período (Portaria nº 356 art. 3º, § 1º)

– Comunicação prévia à pessoa afetada sobre a compulsoriedade da medida (Portaria Interministerial nº 5, art. 4º, § 1º)
Infringir o isolamento domiciliar ou hospitalar
Quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes
Ato administrativo formal e devidamente motivado, publicado no Diário Oficial e amplamente divulgado pelos meios de comunicação. (Portaria nº 356 art. 4º, § 1º)
Desrespeitar a restrição de atividades determinadas em ato administrativo
Realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais e tratamentos médicos específicos
– Indicação mediante ato médico ou por profissional de saúde (Port. nº 356, § 6º)
– Comunicação prévia à pessoa afetada sobre a compulsoriedade da medida (Portaria Interministerial nº 5, art. 4º, § 1º)
Resistir à realização de exames, testes e tratamentos indicados.



Por fim, no Estado de São Paulo foi editado o Decreto Estadual nº 64.881 de 22/03/2020, estabelecendo quarenta para todo o Estado de São Paulo:

Artigo 1º - Fica decretada medida de quarentena no Estado de São Paulo, consistente em restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus, nos termos deste decreto. Parágrafo único – A medida a que alude o “caput” deste artigo vigorará de 24 de março a 7 de abril de 2020.

Portanto, no caso de desrespeito a tais normativos administrativos, poderá ser caracterizado o crime previsto no artigo 268 do Código Penal.


LESÃO CORPORAL - ARTIGO 129 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem tem como pena, em abstrato, detenção de 3 meses a 1 ano.

Este delito é classificado, nos termos do artigo 61 da Lei Federal nº 9099/95, como infração de menor potencial ofensivo e depende de representação da vítima.  Logo, em tais casos, também é possível a incidência da transação penal (artigo 76 da Lei 9099/95).

Porém, conforme a conduta, o delito praticado poderá atingir formas qualificadas, como a lesão grave, com perigo de vida (art. 129, § 1º, II, CP), com pena de reclusão de 1 a 5 anos, bem como a lesão seguida de morte (art. 129, § 3º, CP).

Existe também a forma culposa (art. 129, § 6º, CP), com pena de detenção de 2 meses a 1 ano, igualmente considerada infração de menor potencial ofensivo.

Como exemplo, se um agente contaminado vier a espirrar no rosto de outrem visando a transmissão do vírus contra aquela pessoa (não em face da coletividade, que poderia caracterizar o ilícito da Epidemia, mas de um indivíduo), resultando em infecção, poderá ser responsabilizada pela prática do crime de lesão corporal dolosa.


DESOBEDIÊNCIA - ARTIGO 330 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Na presente explanação faz-se necessário mencionar também o delito de desobediência, tipo penal de notório conhecimento no contexto da pandemia do CORONAVÍRUS, mencionado na Portaria Interministerial nº 5/2020 (Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e da Saúde).

O crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, proíbe a seguinte conduta: “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, prevendo para tal descumprimento pena, em abstrato, de detenção de 15 dias a 6 meses, e multa.

O aludido delito também é considerado, nos termos do artigo 61 da Lei Federal nº 9.099/95, como infração de menor potencial ofensivo. Logo, possível a aplicação da transação penal (artigo 76 Lei Federal nº 9.099/95).

Importante salientar que somente se valerá o Poder Público deste tipo penal caso não haja a inserção do agente em outro crime, como, por exemplo, o delito de infração de medida sanitária preventiva (art. 268, CP), evitando-se a dupla punição pelo mesmo fato (bis in idem), o que é vedado pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro.


CONCLUSÃO

Esse sintético estudo teve como objetivo informar e prevenir às pessoas em geral em relação à existência de reprimendas penais no Ordenamento Jurídico de aplicação específica em tempos de Pandemia, especialmente em relação aos delitos previstos nos artigos 267 e 268 do Código Penal, os quais eram de reduzida utilização antes do CORONAVIRUS, mas que, no atual cenário, poderão vir a ser empregados com maior frequência.

Assim, foi possível analisar que para o combate da PANDEMIA o Código Penal Brasileiro, editado pelo Decreto–Lei nº 2.848 de 7/12/1940, já previa sanção penal adequada, estabelecendo limites aos que não seguem as determinações das Autoridades responsáveis no controle a tal enfermidade mundialmente enfrentada.

Por outro lado, parece fazer mais sentido que a aplicação das leis penais, neste cenário que já se apresenta conturbado pela crise do CORONAVÍRUS, seja efetivada em última hipótese, devendo prevalecer a conscientização da população no tocante ao seu dever cívico de proteger a sua saúde e a dos membros da coletividade a que pertence, preservando a vida numa postura eminentemente humanitária.

Destarte, e embora a Lei e o Estado de Direito estejam a serviço da população e do bem comum, exatamente para que não seja necessária a aplicação de sanções face a eventuais condutas suscetíveis à aplicação do Direito Penal, mais do que nunca, e neste difícil cenário de pandemia que se apresenta, deve preponderar a responsabilidade e o moral de cada ser humano, a fim de que cada um de nós possa contribuir buscando o bem-estar do outro e a saúde pública, bem mais valioso e que é defendido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.


FARIA E FARIA ADVOGADOS - EQUIPE PENAL EMPRESARIAL
(Wagner Carvalho de Lacerda – Guilherme Sampaio) equipepenalempresarial@fariaefaria.adv.br – penalempresarial@fariaefaria.adv.br

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